Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.
Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora
sábado, 22 de janeiro de 2011
O Futuro também é nosso, por Antonio M. C. Costa
Texto do crítico, escritor e colunista da Carta Capital, Antonio Luiz M.C.Costa sobre a obra de Roberto de Sousa Causo, Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil, 1875 a 1950 (UFMG, 2003):
"Vários autores brasileiros já pensaram sobre a ficção científica (FC) e sua história, como Raul Fiker (Ficção Científica - Ficção, Ciência ou uma Épica de Época?, L&PM, 1985), Gilberto Schoereder (Ficção Científica, Francisco Alves, 1986), Léo Godoy Otero (Introdução a uma História da Ficção Científica, Lua Nova, 1987) e Braulio Tavares (O que É Ficção Científica, Brasiliense, 1992). Essas obras, porém, foram breves introduções ou guias de leitura para fãs do gênero, presas demais a seus critérios e convenções.
A obra de Roberto de Sousa Causo, Ficção Científica, Fantasia e Horror no Brasil, 1875 a 1950 (UFMG, 2003), projeto orientado por professores da Faculdade de Letras da USP, é a primeira a abordar especificamente a FC no Brasil e a considerar a teoria literária e a história social para colocá-la em um contexto mais amplo. Sem nada da estrutura rígida e indigesta de uma típica tese acadêmica, é uma leitura agradável e reveladora para aficionados da FC e da cultura brasileira e uma nova referência para historiadores da cultura e críticos literários.
Causo delimitou seu objeto de estudo – a ficção especulativa – de uma forma não usual para a crítica literária tradicional, nem para a maioria dos autores e fãs do gênero. Não se trata de uma subliteratura menor e ou de fuga kitsch da realidade. Também não é necessariamente marcada pela antecipação do futuro, pela promoção de utopias ou pelo uso e valorização da ciência. Não é um gênero encerrado em convenções tradicionais, como o das histórias de detetive.
A característica que define a ficção especulativa é a figuração de mundos além dos cânones da experiência comum e da noção costumeira de “real”, mas que têm, cada um deles, uma lógica com a qual o leitor precisa se familiarizar e que o autor se obriga a manter – dentro de determinado texto, bem entendido (é comum que obras do mesmo autor proponham realidades contraditórias). Certamente não são ficções arbitrárias nas quais “tudo pode acontecer”.
Um exemplo é o subgênero da FC recentemente fundado pelo romance The Difference Engine (1991) de William Gibson e Bruce Sterling, geralmente chamado de steampunk, do qual os filmes As Loucas Aventuras de James West e A Liga Extraordinária são subprodutos paródicos. Desenvolve um século XIX alternativo, no qual a tecnologia do vapor teria ido muito além do que historicamente foi.
Existiriam computadores como os projetados por Charles Babbage em 1832 e as máquinas maravilhosas sonhadas por Jules Verne e H. G. Wells, junto com os preconceitos e os problemas políticos e sociais da era vitoriana. Esse mundo não pertence ao passado, ao futuro, nem ao espaço interestelar. Não é uma utopia nem uma sátira no sentido convencional. É uma ficção que, entre outras coisas, relativiza o nosso “cronocentrismo” e faz ver nossa própria realidade sob outra luz.
Além da ficção científica propriamente dita, que especula sobre desenvolvimentos das ciências naturais e da tecnologia (em sua vertente hard), ou da cultura e da sociedade (na versão soft), cabem nessa definição seus gêneros irmãos, a fantasia e o horror.
Nessa perspectiva, obras como a Odisséia de Homero, a História Verdadeira de Luciano de Samósata e as Viagens de Gulliver de Jonathan Swift, bem como as incursões no fantástico de escritores canônicos, como Machado de Assis (O Imortal), são precursores e modelos legítimos para a ficção especulativa moderna que, mais que a manifestação específica de uma época, é a continuação de uma tradição paralela à da corrente principal da literatura.
Como marco inaugural do romance científico no Brasil, Causo indica O Doutor Benignus (1875), de Augusto Emílio Zaluar, escrito para jornais do Rio de Janeiro. Foi confessadamente influenciado por Verne e pelo astrônomo Camille Flammarion, mas já mostrava características típicas das primeiras gerações de assimilação brasileira do gênero."
Descobri o texto através do blog do Capacitor Fantástico... Mas a melhor reprodução está neste LINK aqui, que contém links para trechos de algumas das obras citadas.