Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.
Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora
quinta-feira, 16 de junho de 2011
Fahrenheit e a Leitura ideal, por Mayrant Gallo
(Postado em seu blogue, Não Leia, no dia 08 de janeiro de 2011)
"Recebi ontem os exemplares de minha cota da Portal Fahrenheit, a última das seis revistas de contos de ficção científica idealizadas e concretizadas pelo Nelson de Oliveira. Confesso que sentirei falta desta recorrente missão: a cada seis meses escrever um conto original no gênero, enviar ao Nelson, esperar aprovação e, por fim, a publicação. Além do prazer de ver o conto impresso, depois de tanto trabalho, afinal de contas não reviso pouco meus textos, há a espera pelos demais relatos, saber o que os outros autores estão escrevendo, como estão pensando o mundo atual pelo ponto de vista da ficção científica.
Na verdade, a literatura, mesmo ambientada no futuro ou no passado, volta-se para o presente, com o propósito de expressá-lo, julgá-lo ou simplesmente ironizá-lo. Se o leitor vai sair transformado da leitura e, com isso, tentar transformar o meio em que vive e o mundo, é consequência de quem é o leitor, de sua formação e de suas expectativas. No tempo em que vivemos, e com a educação que temos (a todo momento questionada por novos e inesperados valores, nem sempre valiosos, com o perdão do paradoxo), a recepção de qualquer texto literário é sempre um enigma, e a tendência de quem lê é, não satisfeito com o que leu, julgar o autor incompetente e seu texto ruim. Há ainda o fato, desalentador, de que muitos leitores não julgam o texto pelo que ele é e apresenta, mas simplesmente pelo que esperam dele. Se este é o tipo de leitura, é melhor não ler.
A leitura ideal é aquela que fornece "a paisagem nova de uma mesma janela". Imaginemos um sujeito que more num lugar ermo e distante e do qual, por um motivo qualquer, não possa sair jamais. Todos os dias, quando acorda e olha pela janela, a paisagem é sempre a mesma, apenas com as variações, preexistentes, das estações do ano: sol, flores, nuvens, chuva etc. Essa paisagem constante é a que a janela de suas expectativas abre, diariamente, pois não há solução para mudá-la, a não ser que ele pudesse partir. O que ele espera, acomodado à sua condição, é o que ele vê, num desenho quase perfeito. No âmbito da leitura é a mesma coisa. Se temos expectativas, conforme nosso gosto ou nossos interesses, "mesmificamos" o que pretendemos ler, e, assim, se por acaso o desenho não coincidir, a leitura não converge. Os "dois desenhos" (texto e leitura) não se encaixam. É como se pela mesma janela de sempre entrasse uma nova paisagem, que nossas expectativas, no entanto, previamente já recusavam. Deste descompasso advêm os julgamentos inexatos e perversos, oriundos da evidência (inconsciente) de que o texto está em desacordo com o que somos. É muito mais fácil, diante da falta de parâmetros, julgar um texto ruim do que julgá-lo pelo que ele é, por ser esta "paisagem nova de uma mesma janela".
Durante a leitura, ao "acordarmos" diante desta nova paisagem, não podemos virar para o outro lado e continuar a "dormir" na expectativa do mesmo amanhã, daquela paisagem de sempre. Naturalmente, alguns dos melhores textos de literatura são os que por sua estranheza nos abrem uma paisagem nova. Mas precisamos estar à janela e com o olhar puro."
(Imagem de John Buscema para o Surfista Prateado)
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