Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.


Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora

quinta-feira, 15 de abril de 2010

A resposta mental da FC







(artigo de Braulio Tavares no Mundo Fantasmo)

Algumas teorias dos gêneros literários procuram defini-los em termos da resposta emocional que provocam no leitor. O gênero do horror (ou terror) é o exemplo mais à mão. Não importa a época em que se situa, o estilo literário em que se expressa, não importa tema, ambiente, personagens, desenvolvimento... O que conta é que é uma história escrita com a intenção de provocar essa resposta na pessoa que lê. E que essa pessoa procure esse livro com a intenção clara de passar por essa experiência emocional.

O mesmo pode-se dizer do humor e do cômico; o mesmo pode-se dizer também da pornografia e do erotismo. As histórias podem se passar em qualquer época e qualquer lugar, em qualquer ambiente; tudo isto é irrelevante. Se cumprirem aquele objetivo – provocar o riso, ou a excitação erótica – pertencem ao gênero, e estamos conversados.

No caso da ficção científica, a resposta procurada por autores e leitores já foi formulada de diferentes maneiras. Definições mais antigas usam a expressão “sense of wonder”: a sensação de deslumbramento, de maravilhamento, diante de algo surpreendente, grandioso, a ponto de modificar nossa própria noção sobre o universo. Em fases posteriores, com autores e leitores mais exigentes, mais experimentados, mais questionadores, surgiram expressões como “conceptual breakthrough” (Peter Nicholls) e “cognitive estrangement” (Darko Suvin).

Ambos os conceitos são tentativas de fazer uma sintonia fina no “sense-of-wonder” tradicional, formulado na década de 1930. Nicholls criou a expressão “conceptual breakthrough” (mais ou menos “ruptura conceitual”, o ato de destruir uma visão do Universo e ter acesso a uma visão mais complexa, como o pinto rompe a casca do ovo e descobre o mundo) enfatizando esse poder da FC de nos fazer enxergar de repente a verdadeira realidade. É a imagem daquela famosa gravura em que um sujeito se arrasta até o horizonte, fura um buraco no céu, enfia a cabeça por ali e vislumbra mecanismos espantosos. É a visão do astronauta Bowman em “2001”, quando penetra no monolito e percebe ali o portal para hiper-dimensões.

Darko Suvin, um crítico influenciado pelo marxismo e pelas idéias de Bertolt Brecht, propôs o termo “cognitive strangement” que significa “estranhamento cognitivo” ou “distanciamento cognitivo”. Para ele, a FC nos possibilita ter de repente uma visão “de fora” das coisas, distanciada, livre das idéias preconcebidas, como se estivéssemos vendo aquilo pela primeira vez; e isto nos dá um conhecimento mais profundo do que estamos vendo. Como Newton vendo a queda de uma maçã, percebendo a atração do planeta Terra, e intuindo a partir disto todo um sistema de forças. Ou como Einstein vendo um trem passar a toda velocidade e percebendo que os passageiros do trem se consideravam imóveis relativamente uns aos outros.

São essas “respostas mentais” que definem a FC, e não a presença de espaçonaves, alienígenas, robôs, pistolas de raios, etc.

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(Para outros artigos de Braulio Tavares envolvendo Ficção Científica, clique AQUI. )


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