Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.


Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora

domingo, 28 de outubro de 2012

Colecção Argonauta






(Capa de "O Mundo dos Draags" de Stefan Wul, que originou "O Planeta Selvagem" ou "O Planeta Fantástico" de René Laloux)




O blog da "Colecção Argonauta" pretende ser "... uma homenagem (...), um memorial que esperamos possa contribuir para esclarecer possíveis dúvidas relativas aos números publicados, bem como constituir um espaço de partilha, onde comentários relativos às obras possam ajudar a enriquecer o vasto universo de memórias aqui reunido."

Segundo o Wikipedia, a Colecção Argonauta foi publicada de 1954 até 2006 com 563 edições de bolso, repleta de figurinhas e figurões (Aldiss, Heinlein, Bradbury, Asimov, Farmer, Clarke, Herbert, Dick, Le Guin, Ballard, Capek). Parece piada, mas apesar de ser publicada por uma editora chamada "Livros do Brasil", a venda dos livros era "interdita na República Federativa do Brasil".  Proibida ou não, parte da coleção chegou ao país, conforme vemos neste artigo - já um tanto antigo (2006) - de Roberto de Sousa Causo para a Terra Magazine, "A Leitura faz o Leitor" que reproduzo (copio/colo) aqui embaixo.

"
Quando comecei a participar da comunidade brasileira de ficção científica, lá por 1983, foi difícil para mim entender o fascínio que a Coleção Argonauta exercia sobre os outros fãs - especialmente os mais velhos, reunidos em torno do Clube de Leitores de Ficção Científica.

Eu pouco ouvira falar da coleção - afinal, cresci lendo a FC encontrada na série alemã Perry Rhodan, nos livros de FC da Hemus, na coleção Mundos da Ficção Científica, e nos livros de FC publicados pela Bolsilivros que eu podia encontrar em bancas de revista na cidade interiorana em que vivia.

De fato, só passei a compreender o encanto que a Argonauta exercia sobre os fãs mais velhos a partir do instante em que me voltei para o meu próprio fascínio por Perry Rhodan e pela Mundos da Ficção Científica, e percebi que cada geração tem a sua coleção ou as suas coleções formadoras.

Isso acontece porque, em geral, o fã de FC é alguém que retorna seguidamente ao seu interesse pelo gênero e nisso, ele precisa ser alimentado de alguma maneira. Nos Estados Unidos, tal papel por muito tempo coube às revistas especializadas. Ainda hoje elas são o celeiro dos melhores autores e dos fãs mais fiéis. Já em outras partes do mundo - especialmente no mundo de fala portuguesa ¿ o papel muitas vezes cabe às coleções.

A Argonauta, da Livros do Brasil (Portugal), certamente se salienta nessa tarefa de gerar e manter os fãs do gênero por sua antigüidade, periodicidade e pelo preço em geral acessível. Houve um tempo em que seus livros chegavam a uma boa parcela das livrarias brasileiras, e até mesmo a algumas bancas de revista, se não estou enganado.

No final da década de 1980, eles começaram a escassear e, durante os anos noventa se concentraram em umas poucas livrarias que ainda buscam permitir que os leitores brasileiros mantenham contato com o mundo editorial português. Em uma delas, a saudosa Livraria Paisagem, o Clube de Leitores de Ficção Científica realizou suas reuniões mensais por muitos anos. Outra é a Themus Livros, também de São Paulo.
O CLFC, aliás, também nasceu associado ao fenômeno dessa coleção ¿ em 1985 o fã R. C. Nascimento publicou em edição do autor o livro Quem É Quem na Ficção Científica Volume I: A Coleção Argonauta, com a famosa ficha de inscrição na última página, pedindo que outros fãs lhe escrevessem para montar o que ele chamou de "Clube de Leitores de Ficção Científica".

Nascimento escolheu bem a plataforma para o seu gesto de comunicação com outros fãs - aparentemente a Argonauta já despertava paixões entre pessoas que não se conheciam, e que se sentiram entusiasmadas com a descoberta de outros "semelhantes".

E assim foi que a Coleção Argonauta se tornou o componente de uma subcultura nacional que, por suas origens, comunica-se com uma vasta subcultura global formada por fãs de FC e fantasia em todas as partes do mundo.

Não sei se o apelo da coleção é tão forte em seu país de origem quanto o é entre nós, pois Portugal teve e tem várias coleções de importância e prestígio, algumas mais conhecidas dos fãs mais jovens, como a Ficção Científica Europa-América, e a Caminho Ficção Científica; esta última, agora cancelada, foi por um bom tempo o refúgio derradeiro do autor de FC em língua portuguesa, em ambos os lados do Atlântico, pela atuação do editor António Belmiro Guimarães.

Voltando à tese destas linhas, cada geração de fãs possui em coleções distintas os seus formadores, os motivadores daquela chama insubstancial e de difícil definição, que faz o fã de FC.

A Argonauta certamente formou a geração mais nobre do fandom brasileiro - fãs empreendedores como o próprio Nascimento, que, ao fundar o CLFC, criou uma pequena revolução; seu parceiro nos anos iniciais, Ivan Carlos Regina; e outros que se alternaram na direção do clube, incluindo Luiz Marcos da Fonseca e Humberto Fimiani.

Mas o que isso significa?

Em parte, a certeza de que os escritores publicados na Argonauta detém um lugar especial no coração desses fãs. Autores como Clifford D. Simak, Robert A. Heinlein, A. E. van Vogt, Isaac Asimov, Ray Bradbury, Philip José Farmer, Ursula K. Le Guin, Robert Silverberg, Frederik Pohl, Philip K. Dick e mais um monte de autores franceses, provavelmente conhecidos apenas dos leitores da Argonauta. Nesse mesmo sentido, significa que o tipo de FC encontrada na coleção tem igualmente um lugar especial no coração desses fãs. A coleção se tornou um lar para todos eles.

Talvez aqueles que, como eu, devem algo a Perry Rhodan, FC Hemus, e à Mundos da Ficção Científica, tenham outros autores e uma outra ficção científica em mente - embora muitos deles tenham aparecido também na Argonauta.

Mas não acho que isso cause um, digamos, "abismo" entre gerações de fãs brasileiros. O que parece ser o problema maior passa longe dessa consideração. Ao contrário, ele se refere justamente ao fim das coleções no Brasil, e a dificuldade das coleções portuguesas em serem distribuídas e lidas aqui. Sem um lar, sem um abrigo, como podem os novos leitores, os novos fãs, surgirem?

Minha suspeita é de que não podem. A ponte fica incompleta, então. Aqueles fãs que já estão por aí há algum tempo cada vez mais recorrem aos livros em inglês, mas eles já passaram pelo seu período formador lendo alguma coisa em português, a Argonauta provavelmente.

O futuro da comunidade brasileira de FC se torna uma incógnita. Haverá uma nova geração, e formada através do quê? Do cinema, que parece ter destruído a FC nesse meio, justo agora que as imagens geradas por computador prometem um realismo nunca antes alcançado pelo gênero - e níveis de imbecilidade também nunca alcançados, nem mesmo na infantil FC da década de 1950? Serão os novos fãs garimpeiros de sebo, revirando o passado editorial brasileiro e português, em busca do que os inspire?

Resta torcer para que surja uma outra coleção, como aquela prometida este ano pela Devir, de São Paulo."




P R O J E T O P O R T A L B L O G F E E D