Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.


Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora

domingo, 27 de março de 2011

Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira




O Tibor Moricz vem resgatando a história da Ficção Científica Brasileira em seu blog. Como ele postou por lá:

"Pretendo dar uma turbinada no meu blog, propondo um espaço diferente, dedicado à nossa FC&F. Biografias e entrevistas nos moldes tradicionais, apresentando ao fandom contemporâneo aqueles que ajudaram a construir as bases da nossa literatura de gênero.

Já li e escutei várias vezes que o que passou, passou. O que importa é o agora e o amanhã, em projeções futurísticas geralmente ególatras. Já li gente dizendo que nunca leu esse e aquele autor do passado e que não tem interesse nenhum em fazê-lo. Que esse e aquele trabalho de antigamente nada ou quase nada pode acrescentar ao que fazemos hoje.

Fico horrorizado quando leio e escuto coisas assim. Trata-se de flagrante desrespeito ao nosso gênero literário. Um comportamento desprezível. A literatura está acima de opiniões equivocadas como essas."







Seguindo este espírito, Tibor publicou o Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira, escrito por Ivan Carlos Regina e publicado em 1988. Vá ao blogue de Tibor e leia os comentários.

O Manifesto vem a seguir:


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MANIFESTO ANTROPOFÁGICO

DA FICÇÃO CIENTÍFICA

BRASILEIRA



MOVIMENTO SUPERNOVA

O homem foi até as estrelas para se encontrar e só achou o vazio, vazio, vazio.

Descobriu que no interior de todos os sóis se esconde a noite, e com ela sua inimiga ancestral, a escuridão.

São seus companheiros de viagem a morte, a dor, o riso, o sexo, a miséria, a alegria, o amor, o tédio, a solidão, a desesperança, o cansaço e a preguiça.

No cruzar da existência uma pirâmide de objetos inúteis: um forno de microondas, uma garrafa plástica, um quilo de éter, uma blusa de náilon, uma lâmina de barbear. Objetos do dia a dia.

Não propomos a dialética do povo mas a estética do novo.

O homem odeia o deus e ama o robô. Seu destino é destruir a perfeição e criar a aberração.

O totem foi a primeira máquina do homem.

Queremos ser uma explosão da forma e uma revolução do conteúdo. A supernova no céu do convencional.

A alegria e a prova dos nove.

A tecnologia e, em ultima instância, a tentativa neurótica do homem em substituir todos os seus componentes humanos por artificiais, criando um mundo onde ele seja o menos possível responsável.

Um boitatá de olhos de césio espreita no planalto central do país.

Ao lidar somente com a máquina, a ficção científica transforma-se num gênero de cenários, um arremedo de vaudeville, estéril e inconsequente.

Não viemos criticar a função da máquina mas propor a estética do homem.

Precisamos deglutir urgentemente, após o Bispo Sardinha, a pistola de raios laser, o cientista maluco, o alienígena bonzinho, o herói invencível, a dobra espacial, o alienígena mauzinho, a mocinha com pernas perfeitas e cérebro de noz, o disco voador, que estão tão distantes da realidade brasileira quanto a mais longínqua das estrelas.

A ficção científica brasileira não existe.

A cópia do modelo estrangeiro cria crianças de olhos arregalados, velhinhos tarados por livros, escritores sem leitores, homens neuróticos, literaturas escapistas, absurdos livros que se resumem as capas e pobreza mental, colônias intelectuais, que procuram, num grotesco imitar, recriar o modus vivendi dos paises tecnologicamente desenvolvidos.

A ficção científica nacional não pode vir a reboque do resto do mundo. Ou atingimos sua qualidade ou desaparecemos.

A produção literária brasileira, no gênero de FC, à exceção de reduzido rol de obras, é de uma mediocridade horripilante.

Uma mula sem cabeça cospe fogo radioativo pelas ventas.

Emulamos tecnologias sem conhecê-las.

Um Saci Pererê matuta, com uma prótese de vanádio, masca mandioca, tritura paçoca e arrota urânio enriquecido.

A alegria e a prova dos nove.

O homem prova, todo dia, que não é merecedor da tecnologia.

Queremos despertar o iconoclasta que jaz em todo peito brasileiro.

Morte aos adoradores de máquinas.

Um caipora verde amarelo devora hambúrgueres, destrói satélites, deglute armas e destroça tecnologias.

Um índio descerá de uma estrela colorida brilhante.

SUPERNOVA

São Paulo, 1º ano após o desastre de Goiânia.

IVAN CARLOS REGINA
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P R O J E T O P O R T A L B L O G F E E D