Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.


Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Kio, editor do Farrazine, comenta os Portais


Enviei para o Kio, editor e diagramador do fanzine on-line Farrazine (Acabou de sair o número 17: visite o BLOG e conheça a revista), o Portal Fundação e o Portal Stalker. Por email, ele me passou suas impressões - como leitor - que publico a seguir:

* * * PORTAL STALKER

"Salve, Brontops.

Bom, não tenho cacoete de crítico literário e acho até que, em alguns casos, minha compreensão ficou aquém do que foi proposto em alguns textos... mas, 'bora comentar.

Primeiramente, o visual do livro está ótimo. Diagramação limpa, boa impressão, revisão muito bem feita (tive a impressão de ter visto apenas um erro, não me lembro onde) e não misturar os contos dos autores foi uma boa decisão.

"Gigantes" - Lembrei-me na hora do conto "O Homúnculo" do Vino hehe. Tem suas semelhanças na linguagem e na proposta. Aliás, recomendo que você leia (se não o fez) o Histórias de Terrir.
Voltando... a ideia de "não terminar" o conto foi excelente. Gosto quando deixa margem a imaginação.

"O Novo Protótipo" - Imaginei uma mistura de "Blade Runner" com "Akira" para me ambientar nesse conto. Cara, que loucura foi pensar em São Paulo desse jeito. Gostaria de vê-la em HQ.

"Ontem Ferido" e "Alguém que Fui" - Não me adaptei muito bem ao estilo da Maria Helena. Pareceu-me muito carregado de poesia, entende? Etéreo, talvez? Confesso que não consegui ver o que está ali, mas não está escrito. Faltaram-me elementos para completar os contos na cabeça, a ponto de fazer sentido.

"Sagrado" - Angustiante (rs) mas no bom sentido. A forma que foi construída o que pode vir a ser idolatria radical do futuro me deixou tenso. Jeito inteligente de misturar as indústrias do marketing e da religião. Fiquei grudado no texto.

"Kripton" - A narração desse último dia da Terra foi um dos poucos que me passou a inevitabilidade do fim. Já vimos isso em livros, filmes, desenhos, HQs e, acredite, entrei no clima da desesperança que esse fim traz. Conseguiu esse efeito.

"Os Quereres" - Faz pensar se teremos uma banalização tão grande das coisas que nos são caras. E daí, como contraponto, vem a imagem da jovem viúva com as aflições e os sentimentos com os quais estamos mais ambientados.

"Buraco no Céu" - Reviravolta sensacional. Dava a impressão que iria cair no lugar-comum e finaliza com uma sacada brilhante. Certamente, uma forma de apocalipse inesperada (rs).

"Wharia Avariada" e "Nonsensal" - Muito vagos, não me inspiraram a tentar entender melhor ou construir alguma coisa a mais.

"Holograma" - Enlouquecer pela solidão ou pela privação. Apesar de ser meio "batido", foi bem explorado.

"Tempo Virtual, Mate Real" - Bela sacada. Com essa onda da vida virtual, Second Life, avatares e afins a construção do conto foi muito inteligente.

"Artigos..." - Cara, o Tiago construiu uma visão de futuro muito interessante. Sugiro até que ele registre a patente de certos utensílios domésticos dos contos (rs). O "captador" de ódio foi demais. Gostei muito da leitura.

"Fênix: Missão Urano" - Típica aventura a la Star Trek. Nem precisa de muita explicação, o ambiente já é suficientemente envoltente. Gostaria de ver a continuação, a viagem da Fênix para Oort.

"Singularidade Nua" - Também me agradou, mesmo não sendo tão fã do gênero sci-fi. Aliás, o Luiz e o Rodrigo foram os que mais usaram da linguagem "simples" desse gênero, mais habitual digamos assim.

"Esquizóide" - Caramba, quantas citações e jogos de palavras tão bem colocadas no texto. Foi a leitura que mais me impressionou, pela proposta de trabalhar com o não-saber envolvendo tanto saber.

E é isso, meu caro. Agradeço novamente o envio do livro. Você me proporcionou uma leitura diferente que, no mínimo, estimulou muito o meu pensar.

Abração."

* * * PORTAL FUNDAÇÃO

Essa complicação de contos entitulada "Portal Fundação" difere um pouco da anterior ("Stalker") pela linguagem mais harmônica, entre si, dos autores.

Apesar do estilo distinto de cada um deles, a ficção não adquiriu um aspecto muito inacessível, abordando o tema com um quê de realidade plausível. Vemos apenas uma exceção, de uma autora que cito mais abaixo, onde a fantasia é mais presente, mas sem descaracterizar a plausibilidade.

Em "Veja seu Futuro", o desfecho da história nos remete aos finais costumeiros da série "Twilight Zone", onde chega a causar desespero, a sensação de inevitabilidade que se alcança.

"Cheiro de Predador" e "Estranho Progresso" propõe a continuidade da "Lei do mais Forte", lei esta que no decorrer dos anos se mantém em vigor e, pelo visto, será a que tem mais chance de prevalecer num futuro pós-apocalíptico.

A forma como o preconceito é tratado em "Cor da Tempestade" é digna de aplausos. Conto envolvente que, apesar de deixar transparecer seu desfecho um pouco cedo, tem os elementos básicos para gerar uma boa análise sobre a segregação racial.

Seguindo na leitura, "Nuvem de Cães-Cavalos" nos leva a paranóia angustiante do protagonista, agitado e confuso. Logo após, com "O desenvolvimento Insustentável do Ser" vemos, de maneira quase monótona, um avanço gradativo no tempo onde percebe-se que o quão valioso é o que se perde.

"Animmalia" lembra um folhetim detetivesco "noir", só que nesse caso estamos no futuro. Um "noir futurístico", se me permitem o paradoxo. Destaque especial ao casal de detetives.

Ler "Habeas Mentem", "Sob as Sete Luas..." e "O Guarda-Mor..." seguidamente, em um curto intervalo, é um exercício muito interessante. Parte-se da ação, para a ficção mais "asimoviana", concluindo numa ficção de pé descalço e bicho de pé. Uma experiência que está sendo possível através do excelente trabalho do "Projeto Portal".

Maria Helena Bandeira está estrategicamente colocada no livro, com seus 6 contos, para marcar um estilo. Seus contos, mais curtos que de seus colegas escritores, têm uma linguagem poética que não se deixa destoar do tema proposto. Ao contrário disso, traz uma atmosfera mais abstrata, portanto enaltecendo o fantástico.

"Deslocalidade" e "Eu?" novamente trazem o conflito, se lidos imediatamente um após o outro. Sorver a narração séria, fiel ao tema ficcional encontrada em "Deslocalidade" e logo mais à frente se deparar com o turbilhão narrativo de "Eu?" torna o conjunto muito mais interessante. Pode parecer estranho a avaliação, nesse caso, não ser conto-por-conto, já que são tão díspares, mas essa característica tornou tudo muito mais prazeroso de se assimilar.

Tivesse "O Preto" se passado em um morro a analogia estaria mais que explícita. Um provável futuro, podemos dizer.

O conto "Index" faz jus ao seu título. Vemos uma enxurrada de palavras interligadas que, como bem descreveu-se o autor - "escrevo possesso" - são atiradas na face do leitor que, indefeso, só pode absorvê-las continuamente e, para melhor degustação, tornar a lê-las em outra oportunidade, quem sabe com outros olhos.

E tem mais, "O Corpo Seco" não nos deixa descansar da enxurrada citada acima. Imagino esse conto na voz do vocalista do Rappa, o Falcão. Que me perdoe o autor se não concorda com a escolha, mas a voz rouca e emergencial desse sujeito me parece ser providencial.

E que venha o descanso com o que temos a seguir, um conto mais cerebral. Oras, depois de "Index" eu me permiti esse chiste para comentar "O Cérebro". Que me perdoem.

Parar o tempo deve estar no imaginário da maioria da população. Em "O Homem que Parava o Tempo" temos a oportunidade de ver uma pessoa comum com essa habilidade... no século V. No final, vemos que nós homens somos todos iguais.

"Sésamo, Bananas & Kung-Fu" e "Hipocampo" são relatos futurísticos da provável confusão que seríamos vítimas - e responsáveis - com o advento de novas tecnologias e possibilidades. É o contraponto entre velhos hábitos e novos vícios.

"História com desenho e diálogo" é um desses contos que se enxerga além das palavras. É certo que a forma como é escrito colabora com essa perspectiva, porém há de se enaltecer uma narrativa descritiva que não se destaca - nem a mais, nem a menos - do texto, completando-o contudo.

E aí está, meu caro. São minhas humildes impressões que, mesmo sem embasamento literário, saltaram dos meu dedos com honestidade."

Muito obrigado Kio!


(imagem via IO9; Para conhecer a revista eletrônica FARRAZINE, clique AQUI)


P R O J E T O P O R T A L B L O G F E E D