Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.


Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Star Wars vs Star Trek


"Em todo caso, quando se trata de retratar o destino humano, onde você preferiria viver, supondo que fosse um cidadão comum e não um semideus? Na Federação de Roddenberry ou no Império de George Lucas?"


No século passado (1999), li um ensaio de um autor de ficção científica criticando e analisando "politicamente" Star Wars e Star Trek. Eu devo ter guardado o ensaio, mas o perdi em meio à papelada...

Rezei à Santa Tecla e ao Google-Pai-Universal-dos-Burros e encontrei este artigo escrito por David Brin, autor de "The Postman" (que virou um filme medíocre com Kevin Costner, "O Mensageiro"). O nome do danado é "O Despotismo de Star Wars e o Populismo de Star Trek".

Todo o artigo é interessante (Eu faria algumas ressalvas, mas quem quer saber o que penso?), porém um tanto longo para postá-lo integralmente aqui. Seguem os links para a versão em inglês e para a versão em português.

Abaixo, irei colar um trecho que achei especial:

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Em “O Herói de Mil Faces”, Joseph Campbell mostrou como praticamente toda cultura antiga e pré-moderna utilizava uma técnica ritmada própria para contar histórias, retratando os protagonistas e antagonistas com certas motivações e traços de personalidade constantes, num padrão que transcende as fronteiras de língua e cultura.


Nessas narrativas clássicas o herói começa relutante, mas há augúrios e sinais que antevêem sua grandeza predestinada. Ele recebe conselhos sábios de um mentor, ganha companheiros inesperados, porém leais, enfrenta uma série de crises cada vez mais críticas, explora o poço de seus próprios medos e emerge vitorioso, levando a vitória ou o talismã de volta a sua tribo, seu povo ou sua nação, que o admira profundamente.

Ao lançar luz sobre essa tradição venerada dos contadores de histórias, Campbell de fato trouxe à tona alguns traços espirituais que parecem ser comuns a todos os humanos. E sou o primeiro a admitir que é uma fórmula fantástica.

Campbell, infelizmente, destacou apenas qualidades positivas, ignorando por completo um lado muito mais sombrio – como, por exemplo, esse modelo padronizado de fábula acabou sendo cooptado por reis, sacerdotes e tiranos que o utilizaram para tecer loas à importância suprema das elites que se erguem acima dos homens e das mulheres comuns. Ou, então, a idéia implícita de que devemos sempre nos restringir a traçar variações sobre uma única história, um único tema, repetindo à exaustão a mesma trama previamente prescrita.

Aqueles que elogiam Joseph Campbell parecem enxergar nessa uniformidade um motivo para nos alegrarmos. Mas ela não o é. Na medida em que desempenham um papel importante no trágico atolamento de nosso espírito, os mitos dos semideuses ajudaram a reforçar a mesmice e a imutabilidade durante milênios, imobilizando as pessoas de quase todas as culturas, desde Gilgamesh até os heróis das histórias em quadrinhos.

É essencial compreender o afastamento radical desse padrão que é dado pela ficção científica genuína, que tem suas origens numa tradição literária diametralmente oposta à primeira, formando um novo tipo de narrativa que muitas vezes se rebela contra os arquétipos que Campbell venerava. Trata-se da crença rebelde no progresso, no igualitarismo e na possibilidade de existirem histórias em que todos saiam ganhando – e também na possibilidade, pequena, porém real, de existirem instituições humanas decentes, sem falar no questionamento compulsivo das normas previamente estabelecidas.

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(Imagem "Our Lord of Darkness" do italiano Franco Brambilla)


P R O J E T O P O R T A L B L O G F E E D