Projeto Portal foi uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa durante os anos de 2008 e 2010. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — foi distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Seis números (de papel e tinta, não online). O título de cada revista homenageou uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.


Idealização: Nelson de Oliveira | Projeto gráfico e diagramação: Teo Adorno
Revisão: Mirtes Leal e Ivan Hegenberg | Impressão: LGE Editora

sábado, 13 de março de 2010

Gigio (do Meia Palavra) comenta o Portal Fundação






O que é BLOG Meia Palavra ?
É um blog direcionado para quem ama literatura, adaptações e outras artes (em um apanhado geral). Mas o pilar que sustenta o portal é a literatura, suas adaptações, resenhas, notícias e crônicas. É um projeto sem fins lucrativos montado e administrado por pessoas que realmente gostam e entendem do assunto.

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O que é o FÓRUM Meia Palavra?
É um fórum de discussões onde aprofundamos o que já foi publicado ou geramos novas idéias. É também uma comunidade para todos os leitores do site se conhecerem e trocarem informações. Na verdade, o Meia Palavra nasceu ao contrário: surgiu como um fórum, um espaço novo para discutir literatura entre amigos, e do fórum saiu a idéia de montar um blog para todas as pessoas que se interessam por literatura sem preconceitos e sempre de bom humor.

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(Desculpem a preguiça, mas extraí o texto acima do FAQ do blog... Mas recomendo muito o blog e o fórum a todo mundo que lê e que escreve...)

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Eu, Brontops, distribuí alguns exemplares entre membros do Fórum que se interessaram pelo Projeto, sob a condição de dizer o que acharam, se gostaram, odiaram, etc. O GIGIO foi o primeiro a escrever e os seus comentários estão abaixo:


Como havia sido combinado com o Brontops, ao recebimento desses exemplares do Portal Fundação caberia a contrapartida de elaborar uma resenha do livro. Alguns dos autores já conhecia de outras coletâneas, outros foram novos para mim, mas de modo geral fico feliz de poder acompanhar mais este passo da ficção científica no Brasil.

Além da variedade dos temas tratados, como o Brontops já havia comentado, há também uma variedade impressionante na forma dada aos contos. Definitivamente não existem dois em toda a coletânea que sigam o mesmo caminho. Acho isso muito louvável e vejo como uma mostra da riqueza disponível no cenário nacional.

Apesar da troca reco mpensadora, essa tarefa de criar uma resenha foi também um tanto ingrata. Como crítico, minha vontade seria a de dizer "tomem, leiam e conheçam por si". Não me sinto confortável no papel, que vejo como uma tentativa de ensinar pessoas adultas e saudáveis a andar. Para mim cada um dos textos possui uma qualidade artística única e tentei tratá-los com o máximo de respeito. Ainda assim peço desculpas antecipadamente aos autores pela apropriação que faço de seus contos e por maculá-los com minhas interpretações.


Seguem então os contos, na ordem disposta na antologia.

Veja seu Futuro, Ataíde Tartari
Algo muito importante na construção da identidade de uma história é o bom uso de referências locais. Neste conto de Ataíde, temos o palco central em uma loja da R. Conselheiro Crispiano, famoso centro de material fotográfico de São Paulo, onde ele nos revela que estaria instalada, à vista d e todos, uma máquina do tempo.

Apesar do muito que já se produziu sobre viagem do tempo, a história de Ataíde consegue delimitar seu próprio espaço. O estilo se caracteriza por uma certa irreverência, em que o aspecto fantástico supera as exigências de maiores explicações técnicas. E o desenvolvimento, embora pareça simples, tranforma-se completamente após a conclusão.

Cheiro de Predador, Roberto de Sousa Caruso
Em um futuro de muitos sistemas solares, uma assassina mercenária busca cumprir sua missão. O conto de Roberto Caruso, no entanto, não se destaca pelas cenas de combate em alta tecnologia ou por perseguições espaciais, mas pela representação detalhada de um futuro estranho e certamente alienígena, com direito a metáforas inspiradas em Baudelaire. Falta apenas um pouco mais de espaço para o desenvolvimento da história, que facilmente se expandiria por outras páginas.

Estranho Progresso, Richard Diegues
Neste conto Richard compõe uma paisagem onírica, para a qual somos transportados e da qual somos observadores por alguns momentos. Seria vão tentar decifrar todas as suas referências, especialmente porque observamos esse mundo pelos olhos de um narrador cuja natureza é um dos mistérios centrais. Duas coisas, contudo, poderiam ser dadas como certas: trata-se de uma história sobre o antigo faroeste; e trata-se de uma história sobre um futuro distópico. Entre esses dois aspectos insere-se uma discussão sobre o próprio tempo e suas transformações.

A Cor da Tempestade, Mustafá Ali Kanso
Muitas histórias sobre um futuro espacial costumam conceber a luta do ser humano, nobre e criativo, contra uma espécie alienígena, vil e insensível. Algumas poucas, como é o caso deste conto de Mustafá, exploram uma visão menos ingênua. Aqui o homem, espalhando-se e isolando-se pela galáxia, tranforma-se em algo estranho a si mesmo. Assim foi que os habitantes de Sangar, primeira colônia extra-solar, tornaram-se alvo de uma nova fase de intolerância na nossa história. Do choque entre as subespécies, a princípio, o foco se desloca aos poucos para conflitos mais pessoais, entre indivíduos, entre homem e mulher, o que leva o conto a adquirir um certo tom de fábula.

Nuvem de Cães-cavalos, Luiz Bras
Ao contrário da maioria dos contos da coletânea, o de Luiz Bras se concentra em um curto período de tempo, em que não são muitos os recursos fantásticos explícitos. Mas desde o princípio sabemos que há algo estranho em suspenso. As referências vão aparecendo gradualmente, em um thriller psicológico em que acompanhamos o processo de descoberta do próprio narrador. Um texto muito bem escrito, em que se mostra domínio do ritmo e do peso das pala vras.

O Desenvolvimento Insustentável do Ser, Laura Fuentes
A ficção científica, em uma concepção geral, se define por uma preocupação com o "e se?". O escritor se deixa mergulhar em uma visão de futuro ou de realidade alternativa. Para onde caminhamos todos nós, homens comuns? Essa é a reflexão que nos apresenta Laura Fuentes, através da composição de retratos de diferentes personagens, em diferentes ambientes do panorama nacional, por um período de quase 70 anos do séc. XXI. Que tipo de transformações ainda poderemos presenciar? É o que ela tem a nos mostrar, em uma imagem que deixa questões tecnológicas à margem e enfoca o universo pessoal, a relação entre as pessoas e o ritmo do cotidiano.

Animmalia, Giulia Moon & Roberto Melfra
Se por um lado escritores de FC são grandes inventores, por outro são também experts em explorar as possíveis consequências de experimentos mal sucedidos. Neste conto de Giulia Moon e Roberto Melfra, mal sucedido o bastante para que a história comece com um corpo estirado sobre a calçada.
No cenário construído pelos autores, há uma preocupação em criar uma ponte com o verossímil (até onde seja possível, no gênero), desde o cuidado em imaginar novas formas tecnológicas que estejam integradas ao cotidiano até a caracterização da personagem central do mistério, uma investigadora de "traços nada memoráveis".

Habeas Mentem, Ricardo Delfin
Conspirações, organizações clandestinas, tecnologias secretas, codinomes bacanas - todos os ingredientes de um bom thriller futurista estão presentes nesta história de Ricardo Delfin. O espaço do conto, aqui, faz com que o desenvolvimento assuma um ritmo acelerado e como o protagonista, Gödel, parecemos estar sempre um passo atrás de compreendermos a v erdadeira natureza dos eventos que presenciamos. E como um bom suspense, no final todos os elementos se encontram e se completam.


Sob as Sete Luas de Sirena, Luiz Roberto Guedes
Em um espaço colonizado muito, muito vasto, um legionário guarda, solitário, um planeta na fronteira de Virgo. Sua principal ocupação está em nomear os mares, as montanhas, a flora e fauna desse lugar esquecido. Aos poucos, no entanto, ele se verá envolvido em estranhos acontecimentos...
A representação que Luiz Guedes faz desse ambiente alienígena está em par com qualquer outro já criado no gênero. A princípio ela soa desconcertante - exatamente o que se esperaria de um planeta exótico a centenas de anos-luz da Terra. E além do cuidado descritivo, o conto apresenta ainda uma história muito cativante, que nos faz acompanhar com atenção até as últimas linhas.

O Guarda-mor, a Urutu Dourada e o Disco Voador, Martha Argel
As terras do interior, com seus silenciosos descampados, suas matas virgens e a distância da sensação de segurança dos aglomerados humanos são uma fonte natural de mistérios. O que se diria se um objeto desconhecido fosse avistado numa fazenda dos fins do mundo? Essa é a premissa para a história de Martha Argel, que mescla à FC os mitos do nosso folclore para compor um conto divertido, especialmente pela representação do diálogo dos matutos.

(A partir daqui os contos se tornam mais experimentais. Nesses casos se torna ainda mais difícil julgar com clareza. Tudo o que é excêntrico parece estranho a princípio e por isso as ressalvas feitas inicialmente passam a valer em dobro.)

A Pescaria; Até Eu Acabar Este Cigarro; Nas Montanhas da Irlanda e Aqui Também; Parállaxis; e Opções Imperfeitas, Maria Helena Bandeira
Os minicontos de Mari a Helena Bandeira são oferendas à imaginação: predadores de uma existência infravermelha, corpos anarquizados, bibliotecários de mentes, chuvas de DNA... Não se trata mais aqui de FC, outros limites são explorados, em algo que se poderia chamar de ficcão surrealista. "- Criança gostam de surrealismo. - Mas os jurados não." Libertar a imaginação das convenções, para que outros níveis de originalidade possas ser alcançados, é o que a escritora parece nos propor.

Deslocalidade; Eu?; e O Preto, Marco Antônio de Araújo Bueno
Os textos de Marco Antônio Bueno também demonstram um estilo característico. Deixando de lado "Eu?", que não se enquadra bem no gênero, pode-se dizer, de modo geral, que os outros dois apresentam perspectivas não-humanas, ou que transcendem o humano, pós-humanas. A linguagem, nesses casos, é empregada de forma precisa e densa, numa tentativa de delimitar uma experiência que não se define diretamente, que está encoberta por uma camada de estranhamento e incompreensão. Seus personagens lidam com o rompimento com as normas, um desajuste essencialmente interno, mas que é captado como um comportamento errante ou rebelde, que ao mesmo tempo os afasta e coloca-os em choque com sua condição.

Índex, Rodrigo Novaes de Almeida
Índex é um fragmento de toda a informação do gigantesco arquivo que existirá, e já existe. Índex é também um conto em fluxo de consciência, uma escrita possessa, um estado excitado de criação, no qual se revelam delírios, desejos e fantasias.

Corpo Seco; O Cérebro; e O Homem que Parava o Tempo, Leandro Leite Leocadio
Períodos curtos, preocupação com a sonoridade e o ritmo, coloquialidade, variação do foco narrativo, todas essas característica fazem com que os contos curtos de Leandro Leocadio assumam um tom de cantiga ou de história contada em roda. O resultado é especialmente notável em "Corpo Seco", onde o aspecto formal e o conteúdo não poderiam ser separados sem que algo se perdesse profundamente. Leocadio cria a lenda do corpo seco com o espírito próprio da oralidade, apenas para recapturá-la com seu estilo.

Sésamo, Bananas & Kung-Fu; (Hipocampo); e (História com Desenho e Diálogo), Brontops Baruq
As três histórias de Brontops têm em comum uma composição em que o fluxo de originalidade é constante. Cada período revela novos elementos do cenário, num processo contínuo de enriquecimento. E até as últimas linhas esse processo acrescenta não apenas detalhes, mas reorienta nosso sentido de interpretação. A isso se refere o fato de serem todas bastante cativantes.
Sésamo, Bananas & Kung-Fu acompanha um relato histórico de uma sà ©rie de eventos que se seguiram à introdução do sistema de teletransporte individual, que vão desde consequências políticas às cotidianas, como o caso do homem misteriosamente esmagado em sua própria cama. O final é inusitado e envolve o título do conto.

(Hipocampo) parece ser o depoimento de um homem comum de um futuro não muito distante. No entanto, a gravidade dos fatos narrados parece escapar a esse narrador. Sua própria condição, vamos descobrindo, talvez não o torne uma fonte confiável.
(História com Desenho e Diálogo) tem a estrutura mais original. Somos levados a percorrer um caderno, observando a descrição das gravuras e lendo as pequenas anotações que as acompanham. Assim, a partir de um objeto trivial e estático, constrói-se toda uma situação de proporções sensivelmente maiores.

Por fim, embora não tenha feito uma avaliação explíci ta dos contos, gostaria de eleger os meus favoritos: "Nuvem de Cães-Cavalos", de Luiz Bras; "Sob as Sete Luas de sirena", de Luiz Roberto Guedes; e "(História com Desenho e Diálogo), de Brontops. E entre os mais experimentais, "Pescaria", de Maria Helena Bandeira; e "Corpo Seco", de Leandro Leite Leocadio.


É isso então, até o próximo Portal!"


(Esqueci de onde veio a imagem. Quem souber me avise que eu coloco a referência)


P R O J E T O P O R T A L B L O G F E E D